sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Eu e Deus

" ... Na grande praça da minha aldeia havia a farmácia, a oficina do relojoeiro, o comerciante de trapos, a mercearia, a igreja e a oficina do carpinteiro, de portas sempre abertas, e ainda, por debaixo do castanheiro, as belas e grandes carretas pintadas de azul-real...

E havia as bolas de nogueira do avô Nicolau, com que brincavam  simultaneamente o gato da parteira, os garotos da praça, etc.

Havia ainda o bebedoiro onde os bois, os cavalos e os burros iam beber, a passos apressados antes do toque das Ave-marias, e depois regressavam a passos muito lentos após terem bebido, pesados de água e esfomeados de misteriosas aventuras...

E além de tudo isto havia centenas de outras coisas que se misturavam e confundiam na recordação.

Havia isso e depois houve as guerras...

Já não há farmacêutico na pequena praça da minha aldeia, nem carpinteiro, nem relojoeiro, nem parteira e as bolas de nogueira do avô Nicolau, foram substituídas pelas placas de cimento armado das pontes e calçadas.

Os animais já não vão ao bebedoiro, foram substituídos pelos tratores e pelos automóveis...

Acabaram as praçazinhas onde se reuniam as lojas; acabaram as estradas poeirentas, os cavalos presos ao longo das paredes. O pitoresco, destruído, adulterado, esboroado, desmantelado, apenas vive em certo lugar privilegiado as últimas horas de graça ..."


JM

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